O TRABALHADOR E A PALAVRA
“Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças [...]” (Ec 9.10).
Hoje, domingo, primeiro de maio, é comemorado no mundo todo o Dia do Trabalho. Na maioria das vezes as comemorações, cartazes, discursos, lembram muito o trabalho pesado do operário da indústria, da construção civil, da roça. Pouco é lembrado o trabalho daqueles que operam com as palavras, como o professor, o advogado, o jornalista, o escritor, o poeta, o teólogo, o pastor e assim por diante. Quando ainda garoto, meu pai achou conveniente que eu tivesse um trabalho. Sempre que saia para realizar um “bico” (trabalho informal) de eletricista ou encanador, me levava para auxiliá-lo. Até hoje sou grato a ele por ter me ensinado o valor do trabalho. Mas quando decidi estudar teologia ele me perguntou: “Mas você precisa trabalhar para se sustentar, vai trabalhar com quê?”
Em princípio, devemos lembrar que há muito trabalho tanto para quem escreve e fala quanto para quem lê. A produção de texto (escrito ou falado) e sua compreensão requerem um complexo processo neurológico e cognitivo dentro do cérebro. Tive um professor que costuma dizer que o suor do cérebro ninguém vê. O cérebro trabalha duro quando se escreve e também quando o leitor se engaja na construção de sentidos do texto. A leitura é um trabalho social, que exige a interação de dois sujeitos – autor e leitor – no atendimento de necessidades socialmente determinadas.
Outra coisa a ser lembrada é que a palavra tem vida, tem história. Ela também tem infância, juventude, maturidade e pode até desaparecer, deixar de ser usada pelos falantes. Com o passar do tempo ela perde alguns significados e adquire outros. Recentemente o pastor Ricardo Gondim escreveu um artigo intitulado: “Deus Nos Livre de um Brasil Evangélico”. Pouco tempo depois o bispo anglicano Robinson Cavalcanti também escreveu um texto com o titulo: “Deus Não Nos Livre de um Brasil Evangélico”. Gondim usa o termo evangélico para descrever o fenômeno religioso do nosso tempo que não possui referencial bíblico-teológico nem ético e moral. Cavalcanti usa a mesma palavra para se referir ao movimento que, no século XIX, chega ao Brasil como símbolo da modernidade e da liberdade. Os evangélicos dessa época tornaram-se uma influência positiva para a cultura e para os brasileiros. Gondim quer que Deus nos livre da influência negativa do movimento evangélico atual, enquanto Cavalcanti quer que Deus não nos livre da influência positiva do movimento evangélico do século XIX. O termo evangélico não tem hoje o mesmo peso e significado que teve no passado. Por esta razão os trabalhadores – autores e leitores – precisam refletir sempre sobre a construção dos sentidos de uma palavra e tratá-la com carinho.
O profeta Isaias, referindo-se a palavra de Deus feito gente, Jesus, afirma: “Ele verá o fruto do penoso trabalho de sua alma” (53.11). Através da fé somos o resultado dessa palavra encarnada. Portanto, o trabalhador e seu trabalho devem glorificar a Deus.
Soli Deo Gloria
Rev. Ezequiel Luz