SÂO PAULO, Brasil, Fevereiro 21, 2008
A Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a Associação Nacional de Jornais (ANJ) e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) repudiaram, em nota à imprensa, a “ação orquestrada” de fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) contra jornais e jornalistas contestando matérias publicadas. A ANJ pede a reforma da Lei de Imprensa.
Até agora, informa a repórter Priscyla Costa, do sítio Consultor Jurídico, são 96 processos de fiéis da Universal, impetrados em Juizados Especiais em dezenas de cidades do interior do país, o que dificulta a defesa dos acusados.
Causas idênticas, com praticamente o mesmo texto argumentativo e citações bíblicas, foram ajuizadas em 47 cidades pequenas como Santa Luzia e Cajazeiras, no Estado de Pernambuco, Bom Jesus da Lapa e Canavieiras, no Estado da Bahia, Alegre e Barra de São Francisco, no Estado do Espírito Santo, Bataguassu, no Estado do Mato Grosso do Sul, Jaguarão, no Estado do Rio Grande do Sul. Segundo o jornal Valor Econômico, ocupar a Justiça em 19 Estados, em municípios remotos, tem uma clara intenção: impedir que os acusados possam se defender. Uma das audiências, aponta Priscyla Costa, aconteceu numa cidade do Estado do Amazonas, que fica a 300 quilômetros de distância da capital, Manaus, e que só é alcançável por barco. A viagem leva, no mínimo, dez horas.
Nos processos movidos contra a Folha de São Paulo, fiéis argumentam que a autora da reportagem “Universal chega aos 30 anos com império empresarial”, a jornalista Elvira Lobato, com 35 anos de profissão, “insinuou” que os membros da igreja são pessoas não-idôneas e que o dízimo que eles pagam é produto do crime. Sustentam, ainda, que são alvo de chacota e gozações por parte de terceiros, tipo “você é trouxa de dar dinheiro para essa igreja”.
Na reportagem, a repórter Elvira Lobato relatou que uma das empresas da IURD, a Unimetro, ligada à Cableinvest, está registrada no paraíso fiscal da ilha de Jersey, no Canal da Mancha. “O elo aparece nos registros da empresa na Junta Comercial de São Paulo. Uma hipótese é que os dízimos dos fiéis sejam esquentados em paraísos fiscais”, escreveu a jornalista da Folha.
“Eu nunca desrespeitei os fiéis, nunca falei que o dinheiro deles é sujo”, disse a repórter ao Portal Imprensa. “Não sou inimiga da igreja. Meu trabalho é informar”, acrescentou. Os fiéis ingressaram em Juizados Especiais, nos quais o acusado, como pessoa física, tem que estar presente. “Isso seria inviável, porque, em alguns casos, tem duas audiências no mesmo dia em lugares completamente diferentes”, explicou Elvira.
Cinco pastores da Universal ingressaram na Justiça contra o jornal Extra, do Rio de Janeiro, e o seu diretor de redação, Bruno Thys, sob a alegação de que se sentiram ofendidos com a divulgação da notícia da prisão de um fiel da igreja por ter danificado imagem de madeira de São Benedito numa igreja em Salvador, Bahia. Marcos Vinícius Catarino foi detido pela polícia e liberado no mesmo dia.
O jornal A Tarde, de Salvador, publicou reportagem sobre o episódio, assinada pelo repórter Valmar Hupsel Filho, que está sendo ajuizado, ele e o jornal, em 35 ações, nenhuma delas em Salvador. As causas contra o jornal Extra foram apresentadas nas cidades de Barra Mansa, Campos, Miracema, Bom Jesus de Itabapoana e Santo Antônio de Pádua, no Rio.
Do total de 96 ações, contabilizadas até agora, apenas duas não entraram em Juizados Especiais, também conhecidos como Juizado de Pequenas Causas. Dois juizes condenaram fiéis, autores de ações, por má-fé. “O Judiciário não pode admitir que seja usado, por quem quer que seja, para atingir objetivo ilegal, devendo repelir com veemência tais práticas”, sentenciou a juíza Zenair Ferreira Bueno Vasques Arantes, da Comarca de Xapuri, no Acre.
No caso de Xapuri, o fiel Maurício Muxió dos Santos foi condenado a pagar as custas processuais e honorários advocatícios, no valor de 1,2 mil reais (cerca de 700 dólares), além de multa de 1% sobre o valor da causa por má-fé. Pelas mesmas razões, o juiz Alessandro Leite Pereira, de Bataguaçu, no Mato Grosso do Sul, condenou o fiel Carlos Alberto Lima a pagar 800 reais (cerca de 465 dólares).
O juiz Edinaldo Muniz dos Santos, da Comarca de Epitacolândia, no Acre, extinguiu o processo contra o jornal perpetrado pelo fiel Edson Duarte Silva, que pedia indenização. O juiz entendeu que há um “assédio judicial”, “uma atuação judicial massificada e difusa da Igreja Universal contra o jornal”. Em nenhum dos casos os fiéis acima tiveram seus nomes mencionados nas matérias jornalísticas.
As ações movidas por fiéis têm “o claro propósito de intimidar o livre exercício do jornalismo”, destaca a nota da ANJ. “Na medida em que criam essas dificuldades, os autores das ações e seus mentores, a rigor, pretendem induzir jornais e jornalistas a silenciarem informações a respeito da Universal. É uma iniciativa capciosamente grosseira e que afronta o Poder Judiciário, já que pretende usá-lo com interesses não declarados”, agrega a ANJ.
A Associação denuncia uma “ação orquestrada, que usa fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus contra os valores da liberdade em nosso país, se baseia na intolerância e indica a preocupante pretensão de impor um pensamento único, incompatível com a vivência democrática”.
Também em nota, a IURD assegura que já ingressou com suas ações judiciais e “não tem qualquer interesse de orquestrar e incentivar processos individuais por parte de seus fiéis”. Mas informa que fiéis de todas as partes do país estão procurando a Igreja para manifestar repúdio em relação a notícias classificadas de lamentáveis, de modo especial as que se referem à origem e destinação dos dízimos.
“A imprensa deve atuar com responsabilidade e não pré-julgar, manipular ou condenar precipitadamente”, ensina a nota da IURD, que entende como “inaceitável que, no uso de suas prerrogativas, a mídia utilize denominações ofensivas e preconceituosas como seita, bando e facção em referência à IURD”.
Indagado a respeito das ações de fiéis da IURD contra jornais e jornalistas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em visita ao gasoduto de Cabiúnas, na região metropolitana de Vitória, disse, na terça-feira, que liberdade de imprensa pressupõe uma mistura de liberdade e responsabilidade. “As pessoas escrevem o que querem, depois ouvem o que não querem”, afirmou.
Em editorial na edição de terça-feira, a Folha de São Paulo criticou a Igreja Universal por orquestrar a mobilização de fiéis contra jornais, “inspirando-se mais nos interesses econômicos do seu líder do que no direito legítimo dos fiéis a serem respeitados em suas crenças”.
O Partido Democrático Trabalhista (PDT) entrou com ação no Supremo Tribunal Federal pedindo a suspensão de todas as ações judiciais do país que tenham como base algum dos 77 artigos da Lei de Imprensa. Pelo menos 50 das 56 ações movidas contra a Folha e a jornalista Elvira Lobato tem base na Lei de Imprensa para o pedido de indenização.
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